Coronavírus, ganância e irresponsabilidade
Em tempos sombrios como o que o mundo passa atualmente na pandemia de covid-19, é bem óbvio que um divertimento como o futebol faz falta. Ainda mais se tratando da tal paixão do povo brasileiro. Mas o desporto gera aglomeração e não é “remédio” para depressão, como disse o presidente da Federação Pernambucana de Futebol, Evandro Carvalho, em entrevista ao Superesportes.
Primeiro: Evandro Carvalho não é psicólogo para recomendar tratamentos terapêuticos, muito menos psiquiatra para “receitar medicação”. Segundo: o futebol não pode ser a primeira coisa a voltar ao normal e os números podem ser bem úteis para entender o motivo.
Para cada portão fechado, um bar pode tentar abrir (clandestinamente), um torcedor pode achar que tudo bem juntar os amigos que veria no estádio. Aglomerações menores, mas ainda assim reuniões que não deveriam acontecer enquanto não há uma vacina ou cura eficaz para o novo coronavírus.
No mundo todo são 4.168.427 casos da doença. Quase metade da população do estado de Pernambuco. Quase 300 mil mortos, a quantidade de habitantes do município do Paulista, na Região Metropolitana do Recife.
O Brasil soma 168.331 pacientes com covid-19 e 11.519 óbitos. Um pouco mais do que a população de Camaragibe adoentada e como se todo o bairro da Encruzilhada, na Zona Norte da capital, simplesmente morresse.
Mas, se estamos falando do Campeonato Pernambucano, vamos focar nos números locais. São 13.768 casos no estado. Tracunhaém, na Zona da Mata Norte, tem 13.769 habitantes — ou pode-se comparar à soma da população dos bairros dos Aflitos, Ilha do Retiro e Apipucos. Destes, 1.087 morreram. O bairro do Torreão, na Zona Norte do Recife, tem 1.083 habitantes.
Ou podemos fazer diferente, se o presidente assim preferir para entender prioridades:
Imagine que os 11.741 torcedores que compareceram ao Arruda na estreia do Santa Cruz no Campeonato Pernambucano, quando o time venceu o Petrolina por 3x0, estivessem todos doentes ao mesmo tempo. E se TODOS os 1.034 torcedores presentes no Vianão durante a partida Afogados 2x1 Salgueiro, pela 1ª rodada do Estadual, caíssem mortos?
Ou na 8ª rodada, última antes da paralisação, com quatro jogos com a presença da torcida e um de portões fechados, 9.397 pessoa compareceram às arquibancadas. Todas. E mais jogadores, comissões, diretorias, imprensa e segurança com problemas para respirar, algo tão natural?
Presidente Evandro Carvalho, o que o senhor acha de, de repente, não mais que de repente, o público total do Campeonato Pernambucano 2020 em 40 jogos disputados ficasse doente? São 104.730 pessoas. Acho que agora fica mais fácil de ter uma dimensão do que se trata.
*Dados populacionais correspondentes ao Censo 2010.
