Discurso de Rapinoe não surpreende
É claro que não surpreende. Porque Megan Rapinoe sabe seu papel
Megan Rapinoe foi eleita melhor do mundo pela Fifa em 2019 por ter sido brilhante. E o brilhantismo da norte-americana não se resume ao campo de futebol. Todos sabem. Por isso mesmo que o discurso da jogadora ao receber o troféu não surpreende ninguém.
Rapinoe, membro de duas minorias, sabe que tem um espaço importante de destaque. Ela tem consciência disso. Desde sempre, aproveitou o palanque que a segue para proferir o discurso de inclusão. E não só para as mulheres ou LGBTs. O que está a seu alcance, ela faz.
Mais uma vez, atrás de um púlpito, a californiana não deixou a chance passar. Diante de notáveis que acompanhavam a cerimônia de premiação da entidade máxima do futebol, Pinoe cobrou os colegas presentes. Companheiros de esporte muitas vezes ainda mais destacados que ela, como os concorrentes na mesma categoria, pela modalidade masculina, por exemplo. Pessoas com plataformas imensas que podem levar luz aos latentes problemas no estádio.
Megan Rapinoe pede que não só Raheem Steerling ou Kalidou Koulibaly precisem erguer suas vozes contra o racismo que ambos sofrem. Ela pede que atletas brancos também comprem a briga. Que não só jogadores LGBTQs se posicionem contra homofobia. Jogadores esses que em sua maioria são mulheres. Poucos são atletas masculinos a sair do armário. Exatamente por se tratar de um ambiente extremamente machista.
E contra o machismo, escancarado também nas diferenças salariais e de projeção entre homens e mulheres, ela chama eles para também se posicionar na luta. Porque Megan Rapinoe sabe que não é preciso ser uma árvore para defender o meio ambiente.
O discurso é bonito e inspirador. Bom seria se os detentores dos holofotes usassem o espaço como Megan Rapinoe. Triste é saber que aqueles a quem a jogadora se dirigiu vão esquecer as palavras até amanhã. Mas feliz é perceber que há uma por todas e todos, não importa quando ou como.
Megan Rapinoe não surpreende. Porque ela é e sempre foi.
Confira o discurso da jogadora (traduzido abaixo):
Eles não te dizem como é pesado. Messi poderia ter me alertado, ele conseguiu um desse tantas vezes. Estou um pouco sem palavras, se é que podem acreditar que isso aconteça comigo. Primeiro, quero agradecer à minha família. Minha irmã gêmea está comigo hoje, todos os meus amigos e familiares em Reading, em casa, minha amada namorada que não pode estar aqui hoje. Muito obrigada, pessoal, pelo apoio que vocês me deram todos esses anos, especialmente neste último ano. Todos os técnicos que eu já tive em toda minha vida, mas particularmente nos últimos anos. Jill Ellis e sua comissão, que nos colocaram em uma ótima posição para sermos tão bem-sucedidas. Todas as minhas companheiras de time, que aguentam minhas merdas o tempo todo. Me deixam ser um pouco selvagem às vezes e estão comigo quando eu preciso. Obrigada a todas que também já jogaram comigo no passado.
Como Gianni (Infantino, presidente da Fifa) estava dizendo, esse foi um ano incrível para o futebol feminino. Para aqueles que só estão notando agora, está tudo bem. Vocês estão um pouco atrasados para a festa, mas nós perdoamos. Estamos apenas começando. Foi realmente incrível. A Federação Francesa de Futebol e a Fifa fizeram uma Copa do Mundo incrível. Fazer parte foi indescritível. O entusiasmo das torcidas, a qualidade em campo foi incrível.
Eu ia contar um pouco das histórias que me inspiraram este ano. Raheem Sterling e Koulibaly. As atuações incríveis deles no campo, mas o modo como eles lideram com o racismo nojento que eles enfrentaram. Esse ano, mas provavelmente pelas vidas toda. A jovem mulher iraniana, que se incendiou porque ela não podia ir ao jogo. O jogador da MLS Collin Martin and as inúmeras mulheres LGBTQ que lutam bravamente todos os dias para jogar o esporte que amam, mas também lutam contra a homofobia.
Essas são todas as histórias que me inspiraram muito. Mas elas também me deixam um pouco triste e desapontada. Sinto que se queremos mudanças significativas, o que eu acho que seria ainda mais inspirador seria todos os outros, além de Raheem Sterling e Koulibaly, também ficassem tão indignados com racismo. Se todo mundo ficasse indignado com homofobia como os atletas LGBTQs. Se todo mundo ficasse indignado com a falta de investimento no futebol feminino além de mulheres, seria ainda mais inspirador para mim.
Esse é meu pedido a todos. Nós temos uma oportunidade incrível sendo jogadores profissionais de futebol. Nós temos tanto sucesso financeiro e em outros campos. Nós temos plataformas incríveis. Peço a todos aqui, pois acho que todos neste salão têm uma coroa, usem suas plataformas por outras pessoas. Ergam outras pessoas, dividam seu sucesso. Nós temos uma oportunidade única no futebol que nenhum outro esporte no mundo tem para usar esse jogo lindo para mudar o mundo para melhor. Espero que pensem nisso e façam algo. Nós temos muito poder nesse salão.
- Megan Rapinoe
