Serragem proustiana
Pouco (ou nada) conheço de Proust. Mas a memória, fenômeno ou efeito proustiano me é muito íntimo. Principalmente quando sinto o cheiro da serragem. Aquele que a gente sente na hora. Da madeira recém modificada. Saída do forno. Quente.
De repente, dezembro de 1999 nunca chegou. Ainda é antes. Muito antes. Eu tenho só 4 ou 5 anos, dentes pequenos bem separados e cachos louros, da cor da serragem. Da serragem que tem um cheiro forte, de jeito que impregna lá dentro da cabeça da gente.
Grudado como a garagem era da casa. Onde casas inteiras cabiam lá. Muitas casas. Bem decoradas para que as bonecas tivesse conforto. E caminhões, para que a imaginação viajasse. Todos contribuindo para o cheiro que sobe. Todos deixando um pouco de si naqueles fios de madeira.
E as mãos firmes dele, mesmo em saúde frágil, guardavam aquele cheiro. Construindo o nosso mundinho. Como se fosse a função dele de avô ao nos presentear com móveis detalhados em madeira e veículos tão velozes quanto podíamos correr.
O cheiro de serragem na construção ao lado traz os anos 1990 para o agora. Nunca passou e ele não foi embora. O senhor que só está nos aguardando chegar para nos presentear com os brinquedos novos feitos em casa.
Aqueles pedacinhos de madeira agora são só saudade. A serragem proustiana, a nossa memória em um aroma. Como se dezembro de 1999 nunca tivesse chegado.