Domingo, eu fui aos Aflitos
Mulher de pouca fé que sou, entrei no domingo resignada. Meu coração queria que desse certo, mas meu cérebro me falava que não. Mesmo assim, com o pensamento de que não funcionaria, o desejo era estar lá. Pois há quatro dias choro a ausência. Por isso, gosto de imaginar.
No domingo, acordaria direto para almoçar. Uma refeição leve, para manter calmo o estômago agitado e ansioso. Entraria no chuveiro e tomaria um banho, para enfim vestir o manto. Mas não qualquer camisa. Aquela, tradicional. Que me acompanhou na final há três anos. É preciso respeitar superstições.
Perfumada, passaria o batom encarnado, para combinar com o hino. Vermelho de luta. Depois, era hora de conferir o que levar: cartão de sócia para entrar, telefone para achar os amigos e dinheiro para beber a alegria ou a tristeza. E, então, sair de casa.
O protocolo manda: tem que chegar com ao menos uma hora de antecedência. É de bom tom aplaudir os jogadores no aquecimento e vaiar os rivais. Comprar um amendoim, um vevete e uma água, enquanto o sol ainda castiga, perto das 16h.
Quatro da tarde é a hora de se por de pé pelos próximos 45 minutos, ou um pouco mais. Reclamar, xingar e gritar que “o gol é do outro lado”! Quinze minutos de descanso, até que o aperreio recomeça. Naquele domingo, seria, finalmente, o momento da euforia.
Mas, o desespero é companheiro fiel do(s) aflito(s). E, perto do final, o empate do adversário seria um banho de água fria. A confirmação da minha descrença. No desespero dos pênaltis, eu sentiria uma misteriosa dor no estômago, vinda sabe-se lá de onde, só para atormentar.
Quando uma cobrança nossa é desperdiçada, nas mãos do goleiro adversário, eu surtaria. Xingaria até a oitava geração daquele azarado rapaz. Mas, o VAR. O VAR! Virou a moeda e mudou o destino. O malfadado viraria sortudo, como num passe de mágica, aliviando meu coração acelerado.
A bola estava com eles, mas foi para fora. Louvada seja qualquer divindade. Está nos nossos pés. O artilheiro se tornou o portador dos milhares de corações, como o meu na arquibancada e de quem ficou em casa. Todos nós traçávamos o caminho da bola.
Há quem diga que é feio admitir que é bom no que se faz. O centroavante é. Tem momentos, altos e baixos. Mas ali ele estava em paz. A pequena corrida até a bola foi percorrida de maneira ritmada. Tum-tum-tum. O chute, mais um tum. E a rede, o último tum.
O grito das milhares de vozes reunidas, a minha no meio, saiu entalado, exacerbado. Comovido. Eu gritaria gol, abraçaria quem quer que estivesse do meu lado. Mas, logo em seguida, as pernas não mais aguentariam. E logo eu estaria no chão, após desabar, de joelhos.
A visão se tornaria turva. Não era nenhum mal estar. Era emoção. A felicidade em sua plenitude. Sorrisos convergidos em lágrimas. Ali, eu choraria. E choraria. E choraria. Até não saber mais se os olhos marejados se equiparavam ao sorriso aliviado. Um pouco mais de choro.
Quando o troféu fosse erguido, mais pranto acompanharia. Como era possível tanta comoção? Onde guardei? Ficou quieta por todo esse tempo? Sentaria, olharia ao redor do estádio, sem querer ir embora. Mas as luzes se apagam e é preciso deixar o concreto ali.
E partir para o abstrato, ainda emotiva. Sempre que fechando os olhos, lembrando daquele estádio vestido de vermelho e branco, com tantas vozes celebrando juntas. Como num sonho. Enquanto a realidade estava longe. Não estava lá.